domingo, 25 de março de 2012

- Ínfimo desabafo.

Certa noite ao ligar a tevê, um comercial se passava na tela. Não aumentei o volume, mas notei que nele falava sobre algum carro novo: na cena, continha também uma família na mesa tomando café da manhã, e o pai que estava na ponta da mesa ia lhes contando algo sobre o novo carro que tinha comprado e que ao fundo aparecia pela janela. Aparentemente todos estavam felizes pelo carro novo. E isso me fez pensar – “se eu ao menos eu tivesse um carro daqueles, modelo 2011, vermelho escuro e cheio de acessórios, não sei, mas coisas seriam bem mais fáceis, presumo”. “Ou não seriam?” – me perguntei novamente. Talvez não fosse nada disso...

No meu ver, o mundo anda tão superlotado de superficialidades, sejam elas os carros, os prédios ou as pessoas infelizes com as coisas que já tem; é como se todos os anônimos quisessem sem freios buscar um algo “novo” para acabarem com uma ansiedade desenfreada. Um ciclo valorativo de novidades dispensáveis. E no que tange ao lado emocional, existem os que acreditam e esperam a princesa ou o príncipe encantado. Talvez esperem isso para não encararem a realidade e saírem do tédio em busca de algo mais real e de valor. Algo como a paz e a felicidade independente. Ou seja, uma felicidade livre de coisas que não se necessita. Ninguém precisa de um sonho impossível para mostrar aos outros. E talvez nem fosse isso que se tratava o comercial, mais existe alguns tipos de pessoas que são aparentemente felizes, e que falam asneiras desconexas, buscando e adquirindo coisas imaginárias, criando e recriando os desejos de um mundo perfeito e afetivo. Talvez fosse isso que estava sendo vendido. E não seja tolo de acreditar nessa tal alegria eterna. A realidade bate na sua cara, e se você não for bem forte,  pode cair no primeiro golpe. A felicidade eterna só ocorre em filmes ou em comerciais de margarina. Os carros e as Misses Universos não caem do céu.

A verdade, é que isso não é algo tão difícil de tratar - digo, sobre ser feliz sem medo do dia infeliz. A felicidade consiste em estar bem com aquilo que se possui. Não é preciso um sonho de metal, ou algo inventado por publicitários podres de rico, que vendem a imagem planejada de uma vida pura e alegre. O que é necessário mesmo é rir o riso do idiota, e às vezes deixar as coisas irem como tem que ir. Sem planejar ou ficar estacionador horas a fio em frente a TV. Não levar algumas coisas tão a sério faz bem pro espirito, limpa a alma muitas vezes. Embora não se possa fazer isso sempre para não cair na armadilha da casualidade.
Então, pense bem, o que seria se não fossem as hipocrisias festivas, as reuniões casuais planejadas pela família? O que seria se não fossem as ceias de natal e os tios bobos que pedem para que você use branco réveillon? Tudo estaria perdido, até mesmo os comerciais. E tudo isso faria tanto sentido que chegaríamos a uma verdadeira Utopia. E a verdade é que não queremos isso, a gente não quer isso pra nós nem para nossos futuros pupilos. Ninguém quer uma felicidade eterna, as pessoas não desejam viver uma felicidade sem limites; isso é demagogia demais, é um pensamento que a sociedade impõe. A ideia de um ser feliz é deprimente, nunca é continuo, quando tudo está perfeito demais nunca estamos felizes, inventamos desculpas, arrumamos defeitos para justificar sempre nosso descontentamento com o que temos.

E aquela noite aquele comercial foi uma utopia tão grande pra mim, e embora a tevê estivesse ligada, em nenhum momento eu me peguei sorrindo.

domingo, 18 de março de 2012

- Voluptuosa cadente.

Naqueles primeiros dias de ausência sua, eu me trancava no quarto e cantava com choro algumas músicas das qual você mesmo me ensinou a ouvir. Sentia sua voz saindo pelos cantos daquele quarto sujo. Sua lembrança não deixava o verão entrar. Essa é uma das imagens que as lágrimas desenham: Você observando a todos de longe, e sempre existe amor no seu olhar. Seus olhos de titã bom veem tudo. Esses olhos de segredo de Deus. Meu sonho é um tempo futuro em que nos encontraremos para quebrar vidraças de vizinhos, e jogaremos vídeo game até altas horas bebendo refrigerantes baratos. Você ronda em toda minha vida sem saber ir embora, é como uma doença que nos faz lembrar-se dos momentos bons. Certas noites eu irei abafar gritos no travesseiro e nada o fará voltar, meu amigo. 

Agora sou a vitima da eterna meia-noite, o sono já não irá tragar meus medos de criança. Volta e meia os cachorros da vizinhança me perseguem, eles querem grudar na minha solidão. Não sei se o pior foi às mentiras tardias ou as verdades eternas. Mamãe diz que você era o amigo perfeito, e acho que de tão perfeito, o tiraram de perto mim. O ruim é que a distância que você está agora divide não só nossos mundos, mas também os meus sonhos. Sonhávamos com grandes aventuras espaciais e com shows de rock. Sonhávamos com formigas de ouro e com azas de libélulas que os duendes malvados devoravam. Meu sonho agora é um carro novo, uma garota carnuda com bom sexo, e de poder lucrar alguma coisa insignificante nessa vida ínfima.

Causa-me vertigem fechar os olhos todas as noites e amanhecer com o coração transformado em pedra. Talvez eu tenha chances de te ver numa outra dimensão, e quando estivermos juntos, creio que os céus se encherão de relâmpagos de fogo e chuvas de eternidade, e os astros irão romper as leis do universo e das estrelas brotaram novas formas de amanheceres, e não haverá espaços vagos no planeta para sufocar nossas alegrias. Então se ergueram praias siderais e as ausências e perdas serão eliminadas. E assim você pagará o tempo longe que me deve. Correremos por labirintos de alguma mente insana, e apenas haverá sorrisos e cervejas para dividirmos por toda essa eternidade (eternidade essa que será um pouco mais longa) e que em algum dia eu te encontre, e que possamos enfim cantar juntos a nossa musica no silêncio. Que algum dia não haja mais esse nó na minha garganta ao dizer o seu nome.

- Longe de casa.

E nós caminhávamos, usuais. O seu sorriso posto nos lábios. Os seus dedos entrelaçados aos meus.
Os nossos passos eram como compassos de uma melodia. Eles marcavam as ruas que ultrapassávamos.Eles ás vezes nos atropelavam. Os passos e as palavras.Ela vestia a sua roupa velha de mudança. O seu sabor ainda estava presente na ponta da minha língua.O seu cheiro impregnava a minha pele, quase como se usássemos o mesmo perfume.Acabávamos de sair de mais uma daquelas vezes em que tocávamos o céu.Ela me fitou, despedindo-se sem que eu entendesse. Não era hora de partir.
Subiu a rua, atravessou aquela cidade inteira,enquanto eu a seguia, penetrado em desbotá-la os lábios.Corri, quase tirando de mim a vida. Gastei tanto do fôlego que me sobrara,que quase pude sentir as minhas narinas aspirarem carregadas.
Os seus dedos pequenos e macios, tocavam-na.Os seus lábios, tão milimétricamente bem bordados,beijavam-na. Os seus olhos robustos mal podiam me encarar.Estavam ocupados em observá-la segurar uma de suas mãos e ir.
Ir embora de casa, ir para longe da rua, ir para fora de mim.